Que o Google é hoje uma das maiores potências do mundo poucos terão coragem de desmentir. Que a maioria dos seus produtos ao entrar no mercado já imediatamente atraem uma porção impressionante do mercado no qual acabaram de estrear é fato dado. Eu mesmo estou cada vez mais me tornando usuário dos seus produtos. Orkut (meio antiquado, mas que continua vivo graças à última cirurgia plástica), Blogspot, Google Calendar e, em especial, o Chrome e o Gmail têm se tornado companheiros indispensáveis para mim. Todavia, nenhum destes itens é objeto das minhas considerações hoje.
Todo este império começou com uma simples ferramenta de busca: o Google. Esta ferramenta é tão absurdamente popular que googlear já tem significado próprio. Qualquer coisa, qualquer dúvida, qualquer informação da qual precisamos tem uma simples solução: Google! Em poucos segundos temos, dependendo do nível de especificidade da pesquisa, milhares, muitas vezes milhões de resultados. De forma até lacônica vem a informação de quantos segundos levou para reunir todos esses dados com duas casas decimais após a vírgula, uma clara demonstração de exatidão e poderio que chegaria a intimidar se não fosse tão discreto. A mensagem, no entanto, é clara: comigo ninguém pode... nem tente.
O que, no entanto, me levou a estas considerações é algo que, em minha opinião, reflete perfeitamente o nosso Zeitgeist, o espírito pós-moderno desta nossa época. Se o Google somente reproduzisse os resultados da nossa pesquisa ele representaria os valores da época moderna, época que se encerrou com o fim da Segunda Guerra Mundial.
A época moderna se preocupava com fatos, com a ciência, com a evolução das idéias, da tecnologia, tudo centrado na capacidade do ser humano e na sua auto-superação. Sem querer me aprofundar (poderá ser tema para outro post), mas a presença da Revolução Industrial, do Positivismo e sua evolução (o pensamento Hegeliano e a dialética), a Teoria da Evolução de Darwin e do Existencialismo (especialmente de Nietzsche) não parece ser coincidência.
A falácia desta era moderna foi decretada através das duas grandes Guerras Mundiais. Ficou evidente que o ser humano era mau e que a ciência e o avanço não poderiam salvar a humanidade de si mesma.
Simplificando de forma grosseira foi basicamente através de Freud e Einstein que a nova era, a era pós-moderna, deu os seus primeiros passos. O primeiro demonstrou que temos sérias dificuldades com as nossas emoções e que a nossa percepção do nosso mundo é subjetiva e distorcida. O segundo trouxe para nós o relativismo que mexe profundamente com paradigmas anteriormente estabelecidos em todas as áreas do saber e deixou claro que ainda há tanto para ser conhecido. A nossa pequena capacidade racional não dá conta de captar, muito menos explicar o que nos cerca. Surge a época da busca pela fé, pelo sobrenatural e por experiências emocionais que não estejam ligadas ao status quo religioso, dando surgimento a muitas religiões sincretistas e a busca de religiões pouco conhecidas no ocidente. O êxtase e a emoção se tornaram importantes e socialmente aceitáveis e a religião se tornou o lugar onde a maioria das pessoas as buscava. Religiões tradicionais tiveram que se adaptar aderindo a movimentos carismáticos e religiões que possuíam vertentes místicas observavam exatamente estas crescendo em popularidade e visibilidade. O subjetivismo e individualismo imperam. Fatos sem relevância perdem o sentido e as perguntas mais pensadas e expressadas são "O que isso tem a ver comigo? Qual o significado ‘disso’ ou ‘daquilo’ para mim?".
E agora, afinal, o que isso tem a ver com o buscador Google? Simples: a meu ver o grande sucesso do Google é que ele não somente trás informações, fatos. Se eu fizer uma pesquisa no meu computador com uma série de palavras e você fizer a mesma no seu computador os resultados serão diferentes (isso se tivermos os cookies habilitados). O Google não somente me dá os resultados da pesquisa, mas também aprende sobre as minhas preferências enquanto eu navego e pesquiso. Com isso ele coloca uma ordem diferenciada de resultados para mim baseado naquilo que eu considero relevante e importante. Os criadores do Google compreenderam o espírito da nossa época pós-moderna: fatos com relevância pessoal, algo sob medida de acordo com as minhas necessidades e preferências. Este é o segredo de sucesso deste império: produzir produtos que vêm ao encontro das minhas necessidades e que sejam configuráveis às minhas necessidades específicas.
Não é de se surpreender que muitos (possivelmente a maioria) tratam a religião da mesma forma: algo relativo e subjetivo centrada somente no indivíduo. Montam as suas crenças segundo as suas próprias idéias e acreditam que ter fé já é o suficiente. Não existem absolutos, somente verdades transitórias e experiências pessoais expressas em estórias cujos princípios precisam ser extraídos. Enquanto trouxer algo positivo para mim naquele momento a fonte destes princípios não terá importância.
Como afirmar que há alguma coisa absoluta em meio a esta época? Como afirmar que há um livro que seja, de fato, inspirado por Deus e imutável? Que Deus seria este? O Deus do Al Korão, do Livro dos Mortos, da Bíblia, etc.? Tudo se tornou tão relativo, tão inseguro, tão subjetivo e tão politicamente incorreto que temos receio de nos manifestar com certeza a respeito de qualquer assunto, especialmente religião.
(Vale aqui um rápido parêntese: viver aquilo em que eu acredito poder ser visto como sendo radical; obrigar o outro a viver aquilo em que eu acredito é ser fanático.)
A verdade é que o fim desta era pós-moderna já se manifesta. Sei que é muito cedo para analisar a mudança, mas mesmo assim ouso ser profeta da próxima era. Não que esteja sendo original (de forma alguma), mas a imensa maioria ainda não se conscientizou de que os tempos estão mudando.
Com 11/09, a grande crise financeira mundial e a mudança climática estamos aos poucos percebendo que o individualismo ao extremo têm trazido sérios problemas para a coletividade, o bem comum. Estamos mais dispostos a abrirmos mão da nossa individualidade para assegurar as coisas básicas da existência: segurança, sustentabilidade e sobrevivência.
Com o assalto que eu sofri neste final de semana passado surgiu um anseio em mim que antes não existia, pelo menos não desta forma: o desejo de segurança e do direito de viver com dignidade. Hoje estou um pouco mais disposto a abrir mão de algumas coisas em função disso e a luta interior entre o idealista e o pragmático provavelmente dependerá da quantidade assaltos, desempregos e vendavais/inundações pelos quais eu passarei no futuro.
Na prática estamos percebendo que o nosso modo de viver tem trazido tremendos prejuízos para nós mesmos e para aqueles que nos cercam. Vivemos uma crise global como provavelmente nunca dantes existiu. Depois de décadas vivendo desta forma o ser humano descobre que esta maneira ameaça diretamente a sua segurança, seu sustento e sua própria existência neste planeta. Está buscando uma saída, um novo jeito de viver e pensar apesar das aparentes dificuldades de romper com hábitos há tanto tempo estabelecidos. Procuramos um modo alternativo de viver, seja em termos de fontes de energia, de governos, de alimentação e de crenças.
Aceitar Deus como uma realidade em nossas vidas não somente foca um futuro paradisíaco após a morte. Não é algo que me ajuda somente a superar os problemas de hoje com a promessa do porvir. Esta aceitação nos habilita a viver esta vida aqui, neste planeta com estas pessoas que nos cercam com mais sucesso e satisfação (não me refiro aqui à ausência de problemas). Já que o nosso estilo de vida tem se mostrado tão ineficaz de resolver as maiores necessidades do ser humano talvez esteja na hora de nos abrirmos para a possibilidade Dele nos guiar em uma experiência de relacionamento com Ele. Acredito que vale a pena experimentar.
“Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, enquanto ele por ninguém é discernido.” I Co 2:14-15
Quem sabe você encontrou este post por algum produto do Google, seja pesquisa, e-mail ou Orkut... não importa: o importante é abrir espaço para experimentar algo diferente e novo ou, quem sabe, renovar o que já se tem.
Um forte abraço
Shalom
* o título é uma referência ao 'Oráculo de Delphi'
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