Como havia declarado no meu post anterior, pretendo discutir alguns assuntos que considero fundamentais para poder iniciar um debate saudável em torno da música e adoração na vida cristã.
Decidi começar abordando um tema que tem confundido muita gente. Esta confusão não é deliberada, pois a mesma foi pregada de púlpitos durante muitos e muitos anos e até hoje, vez ou outra, ainda pode-se ouvir por aí alguns relacionarem Templo e Igreja de forma explícita ou implícita.
Este erro advém de uma má compreensão do que é o Templo e Igreja e quais as suas respectivas funções. Esta incompreensão até tem afetado o planejamento arquitetônico de muitas Igrejas mais antigas, onde a nave da Igreja é tida como o pátio do Templo, uma plataforma mais alta é vista como o Santo (geralmente de onde era/é liderada a Lição) e o local mais elevado é denominado o 'Santíssimo', alegando que o púlpito seria o altar do mesmo onde é oferecido o sacrifício da Palavra de Deus, a Bíblia.
Não pretendo ser apologético e exaurir todos os erros que resultam desta visão, pois creio que cada leitor(a) será capaz de deduzir e imaginar quais as possíveis conseqüências desta visão.
A confusão é resultado do equívoco na compreensão da transferência do Ritual do Santuário do plano físico para o abstrato que ocorre no Novo Testamento. Paulo discorre com maestria a respeito deste assunto especialmente na epístola aos Romanos e Pedro em várias ocasiões faz referência a este tema.
De forma resumida esta transferência consiste na passagem do uso do Templo físico, onde ocorria a dramatização do plano de Salvação e Expiação através do Ritual do Santuário, para uma visão abstrata. Com a morte de Cristo na cruz o Santuário terrestre perdeu o seu significado. O véu do Santuário foi rasgado de cima para baixo (Mt 27:51) denotando o cumprimento daquele tipo de forma física.
O Novo Testamento declara que após a morte de Cristo o povo (invisível) de Deus passou a ser o Templo do Espírito Santo, tanto como coletividade (I Co 3:16) como individualmente (I Co 6:19). O sacerdócio passou a ser, de forma individual, de todos os santos (I Pe 2:5-9). O sacrifício diário ocorre dentro de nós ao sacrificarmos o nosso eu, dando espaço para Cristo pela fé (Gl 2:19-20). O Sumo Sacerdote, Aquele que faz expiação por todo o Templo, é Jesus Cristo (Hb 4:15). A linguagem utilizada recorre sempre ao uso da linguagem que se referia ao Ritual do Santuário no Antigo Testamento.
Ao entender que a transferência do Ritual do Santuário ocorreu do físico para o abstrato torna-se necessário analisar qual, de fato, a função da Igreja e como ela surgiu.
Uma simples pesquisa sobre a origem da Igreja Cristã revelará rapidamente que as suas raízes se encontram muito mais na instituição da Sinagoga do que em qualquer outro lugar, afinal, os primeiros conversos foram Judeus que aceitaram Jesus, o Caminho, como Messias.
A Sinagoga surgiu no período pós-exílico. Ela foi aos poucos desenvolvida para manter a identidade, espiritualidade e religião judaica viva, assim evitando a quebra da Aliança. A deportação ou exílio havia sido reconhecido como a conseqüência máxima desta quebra e medidas foram tomadas para que isto não acontecesse outra vez. Instituíram as Sinagogas como Centros Comunitários de Estudo e Adoração e ao longo do tempo um grupo de estudiosos se formou para dirigir as mesmas. Assim surgiram as reuniões sabatinas para estudar a Torah em edifícios em vez de praças públicas, etc., e, aos poucos, criou-se uma liturgia que se desenvolveu até os dias de hoje. O Templo, em si, só servia poucas vezes para reuniões de assembléia e mesmo assim, somente o pátio era usado.
Creio que fica evidente que as funções que hoje a Igreja cumpre se espelham nas reuniões da Sinagoga e não no Ritual do Santuário que ocorria no Templo. Uma vez compreendendo isto fica mais fácil evitar transferências errôneas da realidade do Templo para a realidade da Igreja. É claro que existem semelhanças, como também haverá semelhanças em outras áreas de vida cristã, pois todas são interligadas pelo mesmo propósito: adorar e servir a Deus. No entanto será necessário ter consciência profunda da função de cada ato para poder encontrar a forma mais adequada para cumprir a desejada função.
Desta forma creio que todo leitor será capaz de entender que nada que se refere ao Templo seja aplicável sine qua non para a Igreja e vice-versa. É necessário um estudo aprofundado para poder fazer afirmações acertadas e seguras, pois construções argumentativas frágeis e tendenciosas têm a tendência de soterrar a médio-longo prazo os arquitetos das mesmas.
Quero deixar claro que não considero as falhas do passado um problema em si, pois todos nós, como indivíduos e como instituição, estamos sujeitos a erros. Considero a falta de reconhecimento das falhas como sendo o maior problema, pois o erro arraigado e até institucionalizado tem a tendência de dificultar, em muito, mudanças profundamente necessárias para o nosso cotidiano cristão. O conceito de Verdade Presente deve ser uma realidade e não uma teoria acadêmica que não encontra respaldo nas práticas do dia-a-dia.
Que estas poucas palavras auxiliem na busca de uma compreensão mais sólida a respeito da adoração
Um forte abraço
Shalom