19 de nov. de 2009

questões tolas

Sou um ser que gosta de debater. Sou assim por natureza e, para piorar as coisas, fui educado desta forma. Questionar é o meu método predileto de buscar a verdade, pois me obriga a saber a razão por trás das coisas. É uma atitude pseudo-mayéutica, puxando mais para um diálogo dialético. Muitas vezes assumo posição B só porque o interlocutor assumiu posição A. Quero ver até que ponto os argumentos do outro são consistentes e até que ponto posso defender a minha posição. Só para me testar e testar o outro também. Hoje entendo que isso é extremamente desagradável, para não dizer chato e intragável... e também cria uma aura de arrogância. Esta última impressão é até realista no momento em que a razão e a lógica (a última sendo um dos modos operandi da primeira) saem pelas portas do fundo e dão lugar à retórica e vaidade que só se preocupam em ganhar a argumentação em vez de buscar a verdade. Fato é que já tive muita discussão inútil em minha vida onde deixei bastante gente chateada comigo por me preocupar mais com a causa do que com a pessoa (e tantas outras vezes em me sobresair na discussão).
Aí aparece o excelente conselho de Paulo à Tito. Em Tito 3:9 ele diz: "Evita discussões insensatas, genealogias, contendas e debates sobre a lei; porque não têm utilidade e são fúteis." Que conselho fantástico! No entanto é necessário compreender o que são, de fato, 'discussões insensatas' para não carimbarmos boas e produtivas discussões desta maneira. Muitas e muitas vezes boas discussões são e continuarão sendo desagradáveis, pois mexem com assuntos sensíveis que não poucas vezes nos transmitem uma sensação de insegurança e descontrole. Não é a toa que tradições são estabelecidas. Muitas vezes têm raison d'être, razão de existir, mas na maioria das vezes passam a ser seguidas sem a compreensão do que está por detrás das mesmas e, com isso, se tornam não somente improdutivas, mas acima de tudo nocivas, pois meras repetições sem consciência do que se faz são mais do que irrelevantes: são emburrecedoras e, portanto, manipulativas.
E é à isso que Paulo se refere. Ele menciona 'genealogias' e 'contendas e debates sobre a lei'. Não pretendo explanar aqui as diferentes interpretações que comentaristas têm a respeito destas expressões, sejam os aeons gnósticos, as genealogias literais do povo judeu, as brigas entre as escolas de Hillel e Shammai, as disputas no Mishnah e Talmud, etc., etc., etc.... uma coisa é clara: trata se da inútil e improdutiva discussão sobre detalhes irrelevantes da tradição.
Não me entendam mal: uma discussão sem uma conclusão clara não é necessariamente improdutiva, pois pode ter estimulado o pensamento e aumentado o conhecimento e, acima de tudo, a consciência a respeito de certo assunto. Improdutivo significa que como resultado pessoas estejam tanto intelectualmente como pessoalmente em lados opostos; onde há divergência emocional, mesmo civilizadamente disfarçada.
Toda vez que este resultado é obtido é necessário questionar-se se realmente valeu a pena. E, se formos sinceros, a resposta muitas vezes será negativa.
Hoje quero procurar boas discussões com verdadeiro interesse de encontrar mais verdade (em vez de 'A verdade') abrindo mão da minha retórica e vaidade, das minhas inseguranças. Quem sabe hoje poderei, com muita humildade e pelo poder de Deus, me tornar mais consciente da vontade Dele para a minha vida? Isso sim, seria um milagre!
Tenham um ótimo dia
Shalom

4 comentários:

joêzer disse...

muitas discussões foram a antessala de uma guerra. e os detalhes da discordância causam debates infrutíferos, embora alguns detalhes é que podem fazer a diferença em nossa postura (musical, teológica, profissional, institucional...).
texto sincero e maduro para começar meu sábado.
abraço

André R. S. Gonçalves disse...

valeu, meu querido
Deus lhe guarde e abençoe
shabbat shalom

Daisy Fragoso disse...

Tive conhecimento do blog através do blog do Felipe Garibaldi (somos amigos na faculdade)e devo confessar que me surpreendi (positivamente) por diversas razões dentre as mais importantes estão: saber escrever e se expressar com clareza e criticidade(características raras entre os líderes da Igreja) e interesse por assuntos que se distanciam dos comuns (que por vezes tornam-se enfadonhos e redundantes já que se tornaram comuns). Estou numa fase em que tenho me sentido realmente incomodada exatamente porque muitos defendem (ainda que inconscientemente) o comodismo teológico-intelectual a fim de "ganhar mais almas para Cristo". Enquanto se fala de amor, amor, amor pouco se estuda e pouco - ou nada - se estimula o pensamento crítico e racional (não sei se por conveniência, se por negligência ou outro). Acredito que o conhecimento e, por consequência, o crescimento só sejam alcançados através de discussões (sadias!!) nas quais todos exponham opiniões (fundamentadas teologicamente - ou não) e a partir destas chegue-se a alguma conclusão ainda que a conclusão seja a de não haver conclusão. Incomoda-me muito o fato de a Igreja (e refiro-me a todos: líderes, pastores, membros...) estimular aquilo a que Piaget chama de heteronomia (não sou educadora, sou musicista, na verdade, educadora musical) em que o respeito às regras é estipulado pura e simplesmente porque alguém mandou: "é assim porque a regra é assim", "obedeça porque sim". O resultado disso nada mais é que uma vida baseada na não "transgressão de regras" sem que se entenda a razão maior do cristianismo e os "por quês" da lei. Dado que essa "regra" foi estabelecida heteronicamente (teoricamente, se pensarmos na Lei, esta foi mesmo estabelecida heteronicamente por Deus), paradoxalmente, "deseobedece-se-a" sem que haja a noção do que é regra, do que é Lei, do que é obedecer à Lei, das razões da consequência deste ato e, logo, do que é perdão e como ele se manifesta. Diferentemente, a autonomia pode ser alcançada através da construção conjunta de ideias e a ferramenta para tal nada mais é que a discussão. É a discussão que permite o senso comum. Se nosso senso comum já nos foi dado e exposto pelas palavras de Deus que estão na Bíblia, é preciso que haja espaço real para a discussão também real para que haja efetiva compreensão do que estamos fazendo (essa questão exposta por Piaget é bastante interessante e tem a ver com o conceito de moral - o que é certo e errado - e não pode ser descrita com eficiência e clareza aqui). Enquanto pensarmos que as pessoas não têm capacidade para discutir o que quer que seja, haverá, assim, menos compreensão real do que é ser cristão pois todos estarão ( e estão!) agindo (e pensando) heteronicamente e, cada vez mais, a Igreja assemelhar-se-á com empresas que, em seu plano empreendedor, pensam somente quantitava e não qualitativamente. Por ora, continuo na minha indignação. Sei que uma coisa é Igreja, outra é religião, outra é Deus. Mas continuo inconformada com a postura (que me parece mais conveniência que outra coisa) de manter a todos na heteronomia cujo resultado, em minha opinião, é o cristianismo vazio, cego, incoerente, arrogante e sem sentido. Então são dois problemas que se tornam um só: a conveniência em manter e cultivar cristãos cegos. Precisamos falar. Como diz não sei que filósofo (citado no sermão do Pr. André Angelo): "não precisam concordar comigo, só não me impeçam de falar".

André R. S. Gonçalves disse...

Olá Daisy,
seja bem-vinda por aqui...
confesso que não sou grande conhecedor dos grandes pedagogos, mas indicações de leitura deles e a respeito deles serão bem-vindas.
quanto às questões que você levantou: acredito que a maioria das pessoas são meras repetidoras de pensamentos alheios... esta realidade se disfarça mais hoje em dia, já que o acesso à informação é muito facilitado. desta forma as pessoas pegam conceitos diferentes sem compreendê-los e os moldam para formar um todo pseudo-original. no entanto, muitas vezes esta imagem que adquirem está cheia de contradições internas, mas por entenderem as origens e consequências das idéias aceitas as próprias pessoas não têm consciência destes paradoxos. isso não restringe à Igreja... esta é a realidade nossa hoje e a Igreja reflete a realidade mundial. Weber fala bastante sobre a ausência de conscientização da humanidade e como pegamos conceitos emprestados na ausência de reflexão pessoal.
debater e discutir é uma boa maneira de sair desta situação e este humilde (sinceramente humilde) blog tem como intuito contribuir um pouco para exatamente isso.
mande um abraço para o meu Xará... fomos vizinhos de distrito no Vale do Ribeira... ele em Pariquera e eu em Iguape.
forte abraço