Às vezes nos
deparamos com algumas coisas que parecem tão obviamente equivocadas que a nossa
paciência e tolerância com estas situações facilmente se esgota. Quem já não
passou por uma situação onde pensou que não valeria a pena conversar sobre um
assunto com outra pessoa, pois ela não teria condições de compreender. A tentação
é grande de simplesmente deixar para lá e tocar a vida. Afinal, quem, em sã
consciência, procura sarna para se coçar?
No entanto, percebo
que muitas vezes o que ocorre nestes momentos é que a outra pessoa, quem sabe,
não teve acesso à formação e informação que a ajudaria a compreender a
situação. Investir este tempo e, possivelmente, neste desgaste, é investir
naquela pessoa e/ou naquela comunidade. Só não se pode esperar que uma semente
brote de uma hora para outra e aprender isso tem me trazido mais paz. Muitas
vezes me sentia frustrado ao tentar explicar algo que a pessoa não aceitava
prontamente. Hoje em dia eu imagino quantas vezes eu já deixei (e continuo
deixando) outras pessoas frustradas, pensando que não haviam me alcançado com a
boa informação que estavam me passando, sendo que a mesma se tornou semente e
brotou com o passar do tempo. Por mais que aquela pessoa não tenha visto o
fruto na hora, aquela semente lançada se tornou benção para mim. E é isso que
me dá coragem e motivação para escrever este texto.
Tenho a impressão que
há uma certa confusão no uso das figuras e funções do Sacerdote e do Levita.
Sacerdote é aquele que foi escolhido por Deus para fazer mediação entre Ele e o
pecador no altar. Em outras palavras, é alguém que ajuda outros a compreenderem
o plano da salvação que é revelado através dos sacrifícios. Eles apontavam para
a expiação que haveria de ocorrer através do Cordeiro de Deus.
Já existiam
sacerdotes antes do sacerdócio aarônico. O primeiro a ser chamado assim foi Melquezedeque.
Outro foi Jairo, o sogro de Moisés. Todavia, pais de família já exerciam
funções de sacerdócio ao oferecerem sacrifícios no altar como encontramos nos
casos de Noé, Abraão e Jó.
O plano de Deus nunca
foi que os sacerdotes fossem uma casta exclusiva e o texto tão conhecido de
Pedro que fala do "sacerdócio real" (1Pe 2:9) é uma alusão a Ex 19:6
onde Deus diz ao Seu povo "vós me sereis reino de sacerdotes e nação
santa". O plano original de Deus era que todo o Seu povo fosse composto de
sacerdotes para fazer mediação entre Ele e as outras nações apontando para o
plano da salvação. Pedro estava fazendo nada mais do que apontar para o que o
próprio Deus havia declarado há tanto tempo (antes de instituir o sacerdócio
aarônico, por sinal). Portanto, o sacerdócio pertence a todos que fazem parte
do povo de Deus e a função do Seu povo é de compartilhar esta mensagem do
sacrifício do Cordeiro. Fica claro que o plano de Deus para o sacerdócio sempre
foi inclusivo e não exclusivo.
Infelizmente há aqueles
que querem compreender o ministério pastoral como sendo a continuação do
ministério sacerdotal. Espero que a explicação acima tenha deixado claro que
isso não é uma opção. Esta interpretação, todavia, é compreensível,
especialmente em países com forte herança católica. A teologia católica
contemporânea depende profundamente da identificação do sacerdócio aarônico com
o sacerdócio que ela pratica atualmente. Não é à toa que a nomenclatura que a
Igreja Católica Romana usa é a mesma usada em relação ao santuário.
Infelizmente esta visão se transferiu para denominações cristãs que não
compartilham desta eclesiologia. Não é incomum encontrar pessoas que se referem
à igreja como sendo templo ou santuário e não é de surpreender que a visão de
sacerdócio exclusivo tenha se transferido para a função pastoral. Isto tem
trazido sérias dificuldades para o dia-a-dia das Igrejas, pois coloca o pastor
numa função que pertence a todo o povo de Deus.
Mas qual a função do
pastor se ele não é o (único) sacerdote? Aqui vale a pena compreender a função
do Levita.
A função do Levita
surgiu quando a tribo de Levi se aliou a Moisés quando ocorreu a adoração do
bezerro de ouro (Ex 32). Com a construção do Santuário eles passaram a cuidar
da montagem, manutenção e transportação do mesmo, mas as suas funções modificaram
e se expandiram ao chegarem na Terra Prometida. Mais tarde a função levítica
enfatizou a Adoração e o Ensino (1Cr 6:31-32; 2Cr 17:9) [fonte: The Lexham
Bible Dictionary, LEVITES]. Além destas funções de Adoração (mais especificamente
Música) e Ensino eles também serviam
como porteiros e guardas do Templo (1Cr 26), juízes (2Cr 19:8) e artesãos. É
importante compreender que os levitas eram assalariados pelos seus serviços, e
tinham a sua função determinada conforme os dons que eles demonstravam e
desenvolviam. Eles viviam exclusivamente a serviço deste chamado e, portanto,
viviam do dízimo do levirato. Os sacerdotes aarônicos recebiam o sustento deles
do dízimo que era devolvido pelos Levitas.
Após analisar a
função levítica me pergunto porque majoritariamente a função pastoral é
assalariada através do dízimo atual e não outras funções, especialmente na
Igreja local? Compreendo que não devemos transferir a função levítica
diretamente para a nossa época e nem restringí-la somente às funções que são
mencionadas na Bíblia. Vimos que a função do levita na Bíblia mudou de acordo
com as circunstâncias. Todavia, não parece um pouco seletivo só assalariar
sistematicamente uma destas funções que a Palavra nos apresenta?
Acredito que muitas coisas
funcionariam bem melhor se em todas as instâncias, em especial na Igreja local,
este conceito de levirato fosse aplicado. Aquele que foi chamado para servir de
forma exclusiva com os seus dons em uma ou várias funções deveria ser
sustentado pelo dízimo levítico (que é o dízimo atual, diga-se de passagem).
Acredito que a Bíblia nos fornece um bom modelo que, aplicado de maneira
contextualizada, poderá trazer muito mais benção ao trabalho do sacerdócio de
todos os santos, o Seu povo, na sua missão de apresentar ao mundo que o
Cordeiro de Deus já veio, que é chegado o Seu Reino e que Ele voltará para
reinar para sempre.